terça-feira, 20 de novembro de 2007

Purple Hazel


1 – Quando comecei essa viagem, eu apenas queria fugir dos meus problemas, peguei uma carona na saída de Brisbane em um caminhão fui até Gold Coast, uma viagem simples, eu pretendia voltar no mesmo dia. Pouco mais de uma hora e eu já estava na simpática praia naquele escaldante verão australiano, uma cerveja e um fim de tarde maravilhoso conferindo as lindas garotas de biquini, conheci alguns caminhoneiros numa lanchonete na região, apesar de estar sozinho eu não tinha medo, estava me sentindo livre, após muito tempo de frustrações e obrigações, decidi que não queria voltar.

No dia seguinte estava novamente em um caminhão, seguíamos para Adelaide, cortando a estrada pela planície e pelo deserto, pude ver os cangurus, os pássaros multicoloridos revoando, a linha perfeita do horizonte se dobrando ao calor onde o azul do céu se misturava ao laranja da terra em uma marola de cores quase sobrenatural. No rádio os clássicos do rock embalavam aquela viagem que pra mim ia além da distância percorrida.

O motorista era um senhor na casa dos 40, um pouco gordo e com a barba por fazer, vestia uma regata com uma estampa do AC/DC, um óculos escuro Ray-ban, enquanto dirigia pelas intermináveis retas que formavam o nosso trajeto, ele me contava sobre sua família, sobre como comprou o caminhão, do trabalho por 6 anos como engenheiro, dos fiascos dos camaradas do clube de motoqueiros e eu contava sobre o acesso de fúria que tinha me levado a começar essa viagem.

Quando a noite caiu, o caminhoneiro que estava muito cansado, percebeu que talvez não poderia chegar até o próximo posto, decidindo parar ali mesmo para descansar. Fui tomar um ar e olhar as estrelas que na cidade não aparecem tão nítidas, caminhei alguns metros deserto adentro, um vento frio soprava por essas bandas, ao longe pude ver uma luz de fogueira, durante o caminho senti uma fisgada no tornozelo, mas não me importei e continuei andando.

A distância parecia ser enorme, perdi a noção de quanto tempo eu segui em direção a luz, mas ao me aproximar pude ver uma linda mulher, morena, vestia-se minimamente com três peças de camurça amarela, e em seu corpo várias pinturas exóticas com uma tinta branca contrastando com a cor de sua pele. Ela estava sentada diante de um pequeno caldeirão sobre a fogueira e olhou profundamente em meus olhos. Me ofereceu uma colher daquilo que estava no caldeirão, senti minha perna direita latejar, bebi o líquido doce sem pensar e sentei ao lado da moça.

Naquele momento não entendia por que ela beijava o meu pé, mas o mundo a minha volta começou a mudar, vi as pedras se moverem e se estilhaçarem em pequenos grânulos, vi montanhas se erguendo no horizonte, vi os arbustos consumindo-se em cinzas e as flores azuis, de seis pétalas cada, que brotariam no deserto um dia, o azul do céu com as estrelas sendo consumidas por um turbilhão púrpuro difuso, a lua se dividiu em frente aos meus olhos e as quatro pontas dos crescentes se tocaram formando uma esplêndida porta por onde meu corpo flutuou suavemente para além de qualquer lugar.

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