quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Épico Noturno Diário


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Eu estava sentado em meu sofá azul de três lugares, confortavelmente cercado de almofadas, assistindo televisão, do lado de fora da casa, onde um rio calmamente passava entre as frondosas árvores da floresta amazônica.

Numa viela suja de Manhatan, dois capangas se escondem atrás de um muro:

- Droga! Matt eles estão chegando! Estamos sem balas! Diz o capanga magrelo

- Ei cale essa sua maldita boca! Estou tentando pensar! Diz o capanga grande.

De repente surge um ser másculo, vestido com uma cueca vermelha de ceda, seu corpo distorcido por anos de musculação e doses cavalares de testosterona e anabolizantes. Ele espreitava no andar de cima, e se esgueira pela escada de metal, a uma certa altura saltando sobre os dois capangas. Arremessa o mais magro em uma caçamba de lixo, o capanga Matt tenta acertá-lo com um cruzado de direita, que é prontamente bloqueado, recebendo em troca uma torção do braço, o mais magro saca uma faca e vem pelas costas do herói anabolizado, que percebendo auditivamente o perigo se volta para frente, se esquivando das investidas do capanga magro. Matt que se contorcia de dor, encontra na viela uma cadeira e tenta acertar pelo outro lado o inimigo. No entanto este, estende o braço contra o ataque e a cadeira se arrebenta ao entrar em contato com sua musculatura indestrutível ao mesmo tempo em que se desviava da facada furiosa que acabou acertando, ...tuizzzmmm...

A televisão se apaga, junto com a luz do poste que iluminava a minha casa a beira rio na Amazônia, tudo escuro, breu total, apenas os grilos a cantar e os sapos a coaxar. Olho para cima e vejo a luz da lua. Ouço o som das folhas e galhos se movendo.

- Tubinababuê! . Alguém ordena.

Uma lança de madeira, com uma pena azul passa em minha frente, são os terríveis índios canibais do alto rio Guaporã, agora só me resta correr. Seguindo em meio a mata, ouço os gritos de guerra, e as flechas zunindo, correndo cada vez mais, já sem esperanças de encontrar a saída. Quando vejo ao longe, a direita da trilha, uma porta iluminada, entro por ela esperando alguma salvação.

Agora estou num lugar muito claro e branco, é algum tipo de fábrica, várias pessoas espalhadas olham aflitas para mim, eu sem entender demoro a olhar para trás. Não eram apenas os índios que me seguiam, lá estava o meu terrível inimigo, o herói anabolizado de outrora, agora se volta furiosamente contra mim. Estarei eu perdido?

Sou tomado por um distinto ímpeto destrutivo, antes que pudesse ter sido ferido pelo vilão, arranco vorazmente um dos pilares metálicos que sustentam o lugar e atinjo em cheio o abdome dele, atirando-o violentamente contra a parede do local, que acaba se rachando.

Encaro meu antagonista agora inconsciente, as pessoas do local estão todas felizes com a minha vitória, exceto por uma moça que vestida em um macacão azul passa com uma mala em outra direção.

Dentre as pessoas uma em particular vem em minha direção e me abraça sorrindo docemente. Talvez devesse beijá-la, eu penso, mas não sei quem ela é realmente, aliás não sei quem eu sou realmente, será que meu papel nessa história é tão óbvio quanto me parece, tenho a impressão de que alguém me espera em outro lugar, mais por fim hora de acordar já é outro dia.

sábado, 24 de novembro de 2007

FANTASMA!!!

Tem um fantasma no meu banheiro.


Descobri isso na semana passada, quando ao derrubar a pasta no chão e em decorrência expressar minha indignação com um efusivo termo chulo para o falo.


CARALHO! Eu disse.


Ouvi uma gargalhada partindo de trás do vidro turvo do box, como se alguém gargalhasse com a boca na tubulação da casa.



No dia seguinte a janelinha do banheiro amanheceu rachada.
Quando ouvi a gargalhada estava com muito sono, tinha sido um dia estressante, e a noite era apenas a ponte para os problemas do dia seguinte.


Menosprezei o evento.


Mas hoje ele se manifestou de novo, senti o arrepio na espinha, e um barulho estranho, tenho que confessar, senti medo.



Foi um medo engraçado, paralisei por um instante e em seguida liguei meu player de músicas, e continuei a escrever, mas olhando em volta cada vírgula, com aquele sentimento paranóico de perseguição.



Segui escrevendo num rítmo cada vez mais alucinado, não sentia o ar ou o frio, não sentia meus dedos e nem o barulho das teclas, ou o barulho do ônibus que passou na rua naquele instânte, nem a luz do farol que iluminou a parede a 1 e 37 da madrugada de hoje.



O fantasma, nem lembrava mais o que temia, o arrepio era tudo e os barulhos estranhos, insetos talvez, ou peças da minha orelha. Não! A música se distorce e a voz me diz.


- Você é divertido.


- Mas não fui com a sua cara


- Vai dormir que semana que vem tem mais


- Mais uma semana


- Meu nome é Din


- Tchau

Imagino que a parte do meu sistema nervoso produziu este texto, foi a que é acionada quando a vida corre risco, e que reserva boa parte de nossa energia de ação, para o funcionamento dos órgãos e é instântaneamente planejada. É quando um segundo não é mais um segundo. Um segundo é um minuto interminável, um minuto é muito menos que um segundo que lhe resta.

terça-feira, 20 de novembro de 2007

Purple Hazel


1 – Quando comecei essa viagem, eu apenas queria fugir dos meus problemas, peguei uma carona na saída de Brisbane em um caminhão fui até Gold Coast, uma viagem simples, eu pretendia voltar no mesmo dia. Pouco mais de uma hora e eu já estava na simpática praia naquele escaldante verão australiano, uma cerveja e um fim de tarde maravilhoso conferindo as lindas garotas de biquini, conheci alguns caminhoneiros numa lanchonete na região, apesar de estar sozinho eu não tinha medo, estava me sentindo livre, após muito tempo de frustrações e obrigações, decidi que não queria voltar.

No dia seguinte estava novamente em um caminhão, seguíamos para Adelaide, cortando a estrada pela planície e pelo deserto, pude ver os cangurus, os pássaros multicoloridos revoando, a linha perfeita do horizonte se dobrando ao calor onde o azul do céu se misturava ao laranja da terra em uma marola de cores quase sobrenatural. No rádio os clássicos do rock embalavam aquela viagem que pra mim ia além da distância percorrida.

O motorista era um senhor na casa dos 40, um pouco gordo e com a barba por fazer, vestia uma regata com uma estampa do AC/DC, um óculos escuro Ray-ban, enquanto dirigia pelas intermináveis retas que formavam o nosso trajeto, ele me contava sobre sua família, sobre como comprou o caminhão, do trabalho por 6 anos como engenheiro, dos fiascos dos camaradas do clube de motoqueiros e eu contava sobre o acesso de fúria que tinha me levado a começar essa viagem.

Quando a noite caiu, o caminhoneiro que estava muito cansado, percebeu que talvez não poderia chegar até o próximo posto, decidindo parar ali mesmo para descansar. Fui tomar um ar e olhar as estrelas que na cidade não aparecem tão nítidas, caminhei alguns metros deserto adentro, um vento frio soprava por essas bandas, ao longe pude ver uma luz de fogueira, durante o caminho senti uma fisgada no tornozelo, mas não me importei e continuei andando.

A distância parecia ser enorme, perdi a noção de quanto tempo eu segui em direção a luz, mas ao me aproximar pude ver uma linda mulher, morena, vestia-se minimamente com três peças de camurça amarela, e em seu corpo várias pinturas exóticas com uma tinta branca contrastando com a cor de sua pele. Ela estava sentada diante de um pequeno caldeirão sobre a fogueira e olhou profundamente em meus olhos. Me ofereceu uma colher daquilo que estava no caldeirão, senti minha perna direita latejar, bebi o líquido doce sem pensar e sentei ao lado da moça.

Naquele momento não entendia por que ela beijava o meu pé, mas o mundo a minha volta começou a mudar, vi as pedras se moverem e se estilhaçarem em pequenos grânulos, vi montanhas se erguendo no horizonte, vi os arbustos consumindo-se em cinzas e as flores azuis, de seis pétalas cada, que brotariam no deserto um dia, o azul do céu com as estrelas sendo consumidas por um turbilhão púrpuro difuso, a lua se dividiu em frente aos meus olhos e as quatro pontas dos crescentes se tocaram formando uma esplêndida porta por onde meu corpo flutuou suavemente para além de qualquer lugar.

Cair na cama!




Seu corpo rapidamente sendo tomado

Sentindo por vezes todas as partes

Formigadas por uma suavidade

Doendo confortavelmente

Enquanto a mente vai se perdendo


O controle vai diminuindo

Algo de dentro vai lhe embalando

Desconhecido e misterioso

Sua força sempre acaba vencendo

Um por um todos os sentidos


Tudo é fácil de entender neste momento

Figuras impensáveis pela arte

Indecifráveis pela ciência

Agora o amanhã não existe

Estando feliz ou triste


Sobre tudo tenho poder

Menos de me dar conta disso

Pois existe o estranho ser

que vindo de dentro

Leva-me além do querer


Uma pergunta devia surgir

Deveria saber o que pedir

Isso não lhe pertence

Quando pertencer não será como antes

Seus olhos se movem, mais não podem ver


Olhar pra cima de olhos fechados

Assim se ve que alguma coisa quer sair

A cabeça é dura demais pra acontecer

Deixemos uma cordinha para passear

Conte-nos como vai quando voltar.